Em 2022 aconteceram importantes discussões e movimentações relacionadas a cobertura assistencial prevista no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Primeiro, com o entendimento firmado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), e, logo em seguida, com a publicação da Lei nº 14.454, de 21 de setembro de 2022. Tendo isso em vista, este artigo traz um desenho jurídico das recentes alterações no tema e dos desafios que precisam ser enfrentados pelas entidades envolvidas nessa frente. Anteriormente à Lei nº 14.454/2022, a 2ª Seção do STJ, no julgamento dos recursos especiais nº 1.886.929 e 1.889.704, havia definido as seguintes teses: o rol é, em regra, taxativo; a operadora de plano de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do Rol se existe, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz e seguro já incorporado ao rol; é possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de aditivo contratual para a cobertura de procedimento extra Rol. Além disso, definiu ainda que não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do rol pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento extra rol indicado pelo médico ou odontólogo assistente desde que: não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol; haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natijus) e estrangeiros; e seja feito, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS. Após a decisão do STJ, a discussão a respeito da cobertura assistencial extra rol adquiriu maior relevância, com ampla divulgação na mídia e reflexos no Congresso, resultando na célere aprovação e sanção da Lei nº 14.454/2022, decorrente da conversão do Projeto de Lei nº 2.033/2022. Essa norma alterou a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998 (Lei dos Planos de Saúde) ao estabelecer, dentre outras alterações, que, em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontológico assistente que não estejam previstos no Rol, a cobertura deve ser autorizada pela operadora de plano de saúde, desde que exista: comprovação da eficácia baseada em evidências científicas e plano terapêutico; recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec); ou recomendação de, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais. Com a celeridade para a publicação dessa norma, verificaram-se lacunas relevantes em sua redação, tais como a falta dos conceitos de “eficácia baseada em evidências científicas e plano terapêutico” e de “órgão de avaliação de tecnologias em saúde com renome internacional”. No entanto, ainda que a Lei nº 14.454/2022 adote conceitos jurídicos indeterminados para decidir pela concessão ou não da cobertura assistencial extra Rol, de acordo com parecer publicado pela AGU (Advocacia Geral da União), entendeu-se que a ANS não tem competência para disciplinar questões relativas a esta lei.
Nesse sentido, surgem questões importantes sobre a segurança jurídica, eficácia e aplicação de sanções relacionadas ao referido dispositivo, além da possível transferência de responsabilidade absoluta às operadoras de planos de saúde para decidirem sobre o tema. Não obstante, de acordo com estudo patrocinado pela FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) e pelo Ibross (Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde), os fatores conjunturais e estruturais da saúde suplementar, ocasionados pela pandemia do coronavírus, somados a mudanças legislativas, tal como a Lei nº 14.454/2022, trouxeram sérias dificuldades econômico-financeiras para as empresas do setor. O estudo indica, por exemplo, que, no terceiro trimestre de 2022, a sinistralidade dos planos assistenciais chegou a 93,2%, e que 262 operadoras apresentam prejuízo entre suas receitas e despesas assistenciais. Ao mesmo tempo que a atualização do rol, incluindo a amplitude das coberturas assistenciais extra rol, é uma importante ferramenta para que os beneficiários de planos de saúde tenham acesso aos procedimentos e aos tratamentos da medicina avançada, nota-se que a definição de parâmetros claros, objetivos e previsíveis é igualmente fundamental para o funcionamento ideal do sistema de saúde suplementar, garantindo proteção, inclusive, para os beneficiários, uma vez que podem ser prejudicados caso os planos de saúde tenham que custear, de forma indiscriminada, a cobertura assistencial extra rol. Portanto, mudanças relacionadas a amplitude das coberturas assistenciais devem ser bem discutidas, analisadas e estruturadas, a despeito dos reflexos regulatórios, assistenciais, contratuais e econômico-financeiros que trará às entidades envolvidas nesse setor. Caso contrário, o resultado será bastante previsível, isto é, uma dificuldade na efetivação do direito à saúde por beneficiários, insustentabilidade financeira de players do setor e aumento considerável da judicialização na saúde suplementar. Ao que tudo indica, o embate a respeito do tema ainda ganhará novos capítulos.