O mercado financeiro está confiante na recuperação do setor de saúde na Bolsa. Depois de dois anos em alta, a sinistralidade (utilização dos planos) começou a ceder. No acumulado de 2023 até junho, o índice da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) caiu para 87,1%. O número é apenas 0,9 ponto percentual menor do que o do mesmo período do ano anterior, mas já traz esperança para as companhias por ser o primeiro recuo na comparação anual desde 2020, quando o setor se voltou à Covid-19. O alívio pode ser visto no resultado operacional das empresas. No segundo trimestre, o prejuízo caiu de R$ 5,4 bilhões em 2022 para R$ 4,3 bilhões em 2023. Outro fator que começa a fazer efeito é o aumento das mensalidades dos planos. No ano passado, eles subiram 15,5% para famílias, e entre 16% e 19% para empresas, de acordo com a Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde). Mas, mesmo subindo os preços, o setor ainda apresenta dificuldade de fechar as contas. Analistas apontam que os reajustes dos planos vieram tarde demais e ainda não compensam a alta nos custos devido a uma maior utilização dos serviços, inflação e maior cobertura de procedimentos determinada pela ANS. Assim, hospitais e laboratórios aguardam pagamentos bilionários e a crise se estende cadeia adentro. Na pandemia, muitas operadoras aproveitaram o momento de preocupação com a saúde para ofertar planos a preços promocionais, já que o gasto operacional estava menor. Mas quando os atendimentos eletivos foram voltando, ao fim de 2021, as operadoras seguraram o aumento dos planos para não perder clientes em um momento delicado. Nesse intervalo, o brasileiro passou a cuidar mais da saúde, com mais consultas e exames preventivos, o que fez a sinistralidade disparar para o recorde de 90,3% no terceiro trimestre de 2022. Com o fim da pandemia, os repasses represados se acumularam, resultando em perda de clientes. Agora, se a queda na sinistralidade se confirmar como uma tendência, algumas companhias estão melhores posicionadas para se beneficiar dessa recuperação do setor, aponta o mercado. Uma delas é a Hapvida, que tem planos de saúde mais baratos. A companhia diz ter como foco aumentar a rentabilidade, reduzindo sua rede de atendimento, elevando preços e ampliando sua verticalização, ou seja, a rede própria. Além disso, a fusão com a NotreDame (dona de 18% do mercado) não se finalizou, com espaço para enxugar custos. No primeiro semestre deste ano, ela lucrou R$ 255 milhões, uma leve queda de 7% em relação ao registrado no mesmo intervalo de 2022. Segundo a XP, que recomenda a compra do papel, essas mudanças devem gerar uma perda líquida de 162 mil a 124 mil usuários, depois de uma queda de 229 mil clientes no primeiro semestre deste ano, deixando-a com 4,2 milhões. “Como resultado, a sinistralidade deverá começar a ceder, estabilizando gradualmente em 68% em 2026”, escrevem os analistas Rafael Barros e Raphael Elage. Ao fim de junho, a sinistralidade da Hapvida era de 73,9%. A corretora vê um preço potencial de R$ 5,70 para o papel ao fim de 2024, o que seria uma valorização de 29% em relação ao valor atual. Em 2021, antes do aumento da sinistralidade, o papel chegou ao recorde de R$ 18. A companhia é a preferida do Itaú no setor. O banco vê um potencial para a ação se valorizar 59%, indo a R$ 7 cada. “Olhando para o futuro, a eficiência da Hapvida no controle de custos deverá posicionar a empresa como a fornecedora dos produtos mais acessíveis do setor”, afirmam os analistas Vinicius Figueiredo, Lucca Generali Marquezini e Felipe Amancio. Já a Qualicorp não teve o mesmo sucesso. Apesar de promover reajustes de mais de 20% nos planos por adesão que a corretora oferece, os resultados seguem decepcionando o mercado. No primeiro semestre, o lucro de R$ 30,4 milhões ficou 75,4% abaixo do registrado no mesmo período de 2022. Em junho, a troca do comando, que busca recuperar as margens de lucro, até animou o mercado, mas os números do segundo trimestre voltaram a pressionar os papéis. Junto à Qualicorp, a rede de hospitais Kora é a que mais se desvaloriza na Bolsa. A companhia passou de um lucro de R$ 76,7 milhões no primeiro semestre de 2022 para um prejuízo de R$ 5,8 milhões no mesmo período deste ano. Além do atraso nos repasses das operadoras, a companhia sofre com uma dívida líquida de R$ 2,5 bilhões, que equivale a 5,7 vezes o seu Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização). E a Selic a 13,25% não ajuda. Por ora, o mercado segue neutro em relação à Qualicorp e Kora. A líder de mercado também não escapou, mas conseguiu se recuperar mais rápido. Com 10% dos leitos privados, a Rede D’Or apresentou resultados que agradam o mercado neste ano ao aumentar o tíquete médio de gastos dos usuários. E, por ora, a aquisição da SulAmérica —quarto maior operador de saúde do país— tem tido efeitos positivos. A operadora conseguiu aumentar a receita, elevando preços e reduzindo os sinistros. No primeiro semestre deste ano, o grupo lucrou R$ 739 milhões, alta anual de 26%. O Santander recomenda a ação, com preço-alvo de R$ 40, uma valorização em potencial de 39%. Outra que se beneficia de aquisições é a MaterDei. Ela começou a colher frutos das compras de hospitais na Bahia, em Goiás e Minas Gerais feitas em 2022. Com a expansão de receita, a companhia conseguiu manter o lucro líquido do primeiro semestre em linha com o ano passado (R$ 113,5 milhões). A XP vê espaço para crescimento operacional e recomenda a compra do papel, com preço-alvo de R$ 9,9, o que seria uma modesta valorização de 6% em relação ao valor atual. “Vale ressaltar que apenas 63% dos leitos estão atualmente em operação, o que significa que ainda há muito espaço para a empresa continuar crescendo sem a necessidade de investimentos significativos”, afirmam os analistas da corretora. O fim da Covid também impactou o fluxo de caixa das redes de laboratórios de exames diagnósticos. Enquanto o grupo Fleury conseguiu se recuperar, a Dasa, que inclui hospitais, apresenta prejuízos. No segundo trimestre deste ano, o Fleury teve uma receita recorde de R$ 1,8 bilhão, com a consolidação de resultados do Grupo Pardini, adquirido no ano passado. No primeiro semestre deste ano, o lucro do grupo subiu 24%, para R$ 221,5 milhões. Já a Dasa acumula uma perda de R$ 376 milhões até junho, ante lucro de R$ 20 milhões no mesmo intervalo de 2022. O principal vilão é o endividamento de R$ 8 bilhões, equivalente a 3,7 Ebitdas da empresa. A rentabilidade da Dasa continua aquém das expectativas, dizem os analistas Caio Moscardini, Karoline Silva Correia e Guilherme Gripp, do Santander. Além de todas essas dificuldades que o setor enfrenta, há mais um risco em potencial: o PL dos planos de saúde, que tramita no Congresso. O projeto visa limitar o reajuste dos planos coletivos de acordo com a sinistralidade de todos eles. Hoje, a ANS põe um limite apenas para planos individuais e familiares. Os planos odontológicos, por sua vez, estão praticamente blindados, avaliam os especialistas. Como seu custo é baixo, as empresas continuam os oferecendo a seus funcionários. São 50 milhões de brasileiros com plano de saúde e 31,5 milhões deles contam com a cobertura odontológica. Só a Odontoprev é responsável por 8 milhões de beneficiários. No segundo trimestre, ela reverteu a perda de clientes do começo do ano, com uma adição final de 156 mil clientes. No primeiro semestre, lucrou R$ 287 milhões, 10% a mais que no ano anterior. O Santander recomenda a compra da ação, com preço-alvo de R$ 15,40, equivalente a uma alta de 43% para o papel.